O dia em que Belo Horizonte acordou

Marcha Fora Lacerda reúne multidão nas ruas da capital

Por Victor Guimarães
A primavera começou oficialmente ontem no hemisfério sul. Em Belo Horizonte, ela parece ter chegado na tarde de hoje. Depois de muita expectativa e muita mobilização durante as últimas semanas, o grito de Fora Lacerda! finalmente ecoou pelas ruas, casas, prédios públicos e praças da região central da cidade neste sábado. Um conjunto impressionante de grupos e de indivíduos protestava pelos mais variados motivos, mas todos com uma certeza comum: a de que Belo Horizonte não agüenta mais os desmandos da administração do Sr. Empresário Márcio Lacerda.
Éramos muitos. Segundo o jornal O Tempo, 300. De acordo com o Estado de Minas, cerca de 250. Para o portal G1, 200. O curioso dos números dissonantes é que todos citam a mesma fonte: a Polícia Militar. A mesma que nos disse, já no fim da tarde e no último destino, que seríamos cerca de 500. Para qualquer um que tenha olhado com atenção para as avenidas pelas quais passamos – ou até para alguma das imagens que já pululam na Internet –, éramos certamente mais de 2.000.
Na Praça da Liberdade, a partir das 12h, os cartazes começaram a ser preparados e os gogós aquecidos. Pouco depois das 14h, descemos a Av. João Pinheiro, e fomos aplaudidos pelos alunos e professores da Escola Estadual Afonso Pena. A comissão de frente lavava a cidade com água, muito sal grosso e alecrim, num ato simbólico para descarregar tudo de ruim que vem sendo provocado nesses últimos anos pela administração Lacerda. Mais atrás, integrantes de vários grupos musicais e dos blocos carnavalescos da capital ditavam a cadência. Abrindo e fechando o cortejo, dois carros de som levavam microfones abertos para os protestos dos manifestantes.
Já na Av. Afonso Pena, em frente à Prefeitura Municipal, falamos calmamente sobre todos os motivos pelos quais marchamos, enquanto despachávamos os objetos que representam os absurdos da conduta do Sr. Empresário: cobertores, artesanato, jatinhos de papel. Em bom belorizontês, um grito de guerra se destacava das dezenas de outros, e expressava bem o espírito da manifestação:
 Lacerda, cê tá roubado! Nós tamo junto e misturado!
E foi seguindo essa postura de heterogeneidade e mistura saudável que o Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Municipal de Belo Horizonte (SindRede/BH) gritou contra o massacre da população de rua. Os moradores de rua pediram condições minimamente dignas para os professores da educação infantil da capital. A Assembleia Nacional dos Estudantes – Livre! (ANEL) clamou por uma guarda municipal mais humana. O Sindicato dos Guardas Municipais do Estado de Minas Gerais (Sindguardas MG) manifestou sua solidariedade à juventude da cidade. O Movimento Anarquista Libertário (MAL) protestou contra a total falta de negociação e as ameaças de despejo nas ocupações urbanas. As dezenas de moradores da Comunidade Dandara manifestaram sua resistência e seu desejo de liberdade. Os integrantes do movimento Salve a Rua Musas denunciaram os despejos de famílias para a construção de obras para a Copa do Mundo. O Comitê dos Atingidos Pela Copa lembrou que a Rua Musas e a Mata do Planalto fazem parte do mesmo processo de venda sistemática de espaços públicos Belo Horizonte afora. As Brigadas Populares, os moradores do Bairro Planalto, o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação em Minas Gerais (Sind-UTE/MG), os expositores da Feira Hippie, os vários indivíduos, grupos, partidos e movimentos – citados ou não neste texto – presentes na caminhada gritaram por suas demandas, mas também pelas dos outros.
Muita gente fez questão de ressaltar as semelhanças inescapáveis entre Lacerda e Anastasia. Outros, de denunciar o machismo, a homofobia, o racismo, a criminalização dos movimentos sociais, o predomínio das elites nas políticas públicas. Teve até quem lembrasse – com muita razão – das outras primaveras mundo afora, conectando Belo Horizonte com Londres, Praça da Estação com Praça Tahir, Afonso Pena com Wall Street.
Na Praça Sete, as camisetas laranja dos integrantes do movimento coloriam o centro da cidade. Na Praça Da Rodoviária, distribuímos panfletos para uma população receptiva e aberta às idéias dos manifestantes. Seguindo a Av. Santos Dumont, protestamos contra as PPPs da saúde e da educação, contra o autoritarismo, contra a situação do transporte público. Aqueles que esperavam o ônibus – provavelmente lotado – ouviam e liam com atenção.
Na chegada à Praça da Estação, o tempo seco e o calor já eram insuportáveis, mas estávamos no lugar certo. Os músicos fizeram mais música, alguém usou o microfone para pedir a alguém da Prefeitura que ligasse a fonte. Felizmente, nem todos os funcionários seguem a cartilha de Lacerda: quando menos se esperava, um anônimo fez a água jorrar. A alegria da praça transformada em praia encerrou um belo e inesquecível dia.
Cada um com sua voz, cada rosto com sua alegria, manifestamos nossos desacordos e nossos desejos de mudança. Em comum, a certeza de que a administração Lacerda reúne desmandos suficientes para que a rejeitemos com gritos cada vez mais altos – e com passeatas cada vez mais populosas. Em comum, desejos simples, mas cada dia mais ignorados por aqui: respeito, diálogo, liberdade. Em comum, a tentativa de encontrar, ainda, nesses tempos tão difíceis, uma possibilidade de viver em comum nessa cidade – ainda – administrada por esse senhor que quer fazer dela algo mais parecido com um curral.
Em tempo: Ironicamente, depois de protestos no Facebook e enquanto esta matéria estava sendo escrita, o jornal Estado de Minas publicou uma nova matéria em seu site, citando novos números – e a mesma fonte. De acordo com os novos “dados”, éramos 2.000.
Fonte: http://foralacerda.wordpress.com/2011/09/24/o-dia-em-que-belo-horizonte-acordou/