UNICAMP | Estatuto universitário: acaba a ditadura mas mantém o porrete


O estatuto da Unicamp passou por uma transformação com a votação no Conselho Universitário do dia 26/03 que o modificou. Essa é uma boa notícia: o então estatuto existente foi feito pela ditadura militar, vago e rígido ao mesmo tempo, visando legitimar todo tipo de arbitrariedade e perseguição política. Segundo ele, alguém poderia ser severamente punido – desde “repreendido” até expulso – simplesmente por motivos de “algazarra”, “distúrbio” e “má conduta”, mesmo que em atividade alheia à universidade e fora do espaço universitário. Pesado, né?

Pois é, a reformulação do estatuto seria uma notícia ótima se ao menos os estudantes soubessem que está rolando e pudessem participar do processo, mas foi tudo atropelado e com um prazo curtíssimo de enviar alterações.

A reitoria ainda deu o seu toque final na proposta que os Centros Acadêmicos fizeram no Grupo de Trabalho responsável pelas alterações: várias arbitrariedades antigas ficaram – a quebra de “decoro” e a “indisciplina”, sem especificar o que caracterizaria essas coisas –, além dos excessos de controle comportamental, como a punição por “uso de […] substâncias psicotrópicas, ou de bebidas alcoólicas”. Bom, esperamos confiantes que o open de café servido no bandejão não entre nessa.

Essas e mais coisas os CAs sugeriram suprimir ou reformular, mas a reitoria recolocou na proposta antes de submetê-la ao CONSU. Ou mesmo retirou: por exemplo, sumiu a exigência histórica por paridade entre funcionários (docentes e técnicos) e estudantes na representação e decisões da universidade, já que hoje o maior peso de voto nas decisões e na consulta para reitor está com os professores, sobrando uma pequena margem (cerca de 30%) do peso de voto para todos os outros funcionários e estudantes somados (15% cada).

Mas porquê?

Bom, nada é feito por nenhuma instituição sem um motivo.  Entendemos que mudanças democráticas no regimento, incorporando o direito à manifestação política por exemplo, é uma conquista da luta histórica do movimento estudantil. Além disso, a reitoria tem motivos próprios pra limpar sua barra e tirar os termos ditatoriais do seu estatuto, afinal o reitor Knobel gosta de bradar que nossa universidade é do século XXI e tenta se pintar de democrática. Por outro lado, nosso orçamento está longe de ter um padrão de excelência: não há verba de investimento, acabou o fundo reserva e não há aumento para funcionários (!) nem reposição dos professores que se aposentem (!!). Isso sem falar na escuridão dos postes à noite, a falta de manutenção e as obras paradas apodrecendo. A democracia é só no discurso e até hoje há estudantes processados por conta da greve de 2016 e novos sendo reabertos.

O lance é que vem mais por aí. O governador Dória e o MEC bolsonarista têm o ávido desejo de cobrar mensalidades, quando não privatizar totalmente as universidades, para que sejam de “uma elite intelectual” e não do povo. Resumindo, isso significa mais cortes – como o ‘contingenciamento’ de R$ 40 milhões no início do ano – e menos permanência, pesquisa, ensino e ciência no país. Veja só a UNESP, que não está pagando nem o 13o salário. É um projeto que está a serviço de Bolsonaro, que já declarou querer cobrar mensalidade, aparar as arestas dos Centros Acadêmicos e acabar com o debate em sala de aula.

Nesse contexto, a reitoria quer um regimento “moderno” mas não quer largar a mão do porrete, caso sinta ameaçado seu poder de aplicar cortes e privatizações parciais. Assim fica fácil entender o porquê de deixar brechas para perseguição de estudantes que, frente às dificuldades para continuar os estudos, com cursos desestruturados, caros e sem condições de pesquisa, não vejam solução que não seja entrar na luta. O mesmo vale pra funcionários que tiveram seus salários estacionados (e depois efetivamente cortados) nos últimos anos.

Para mim, tudo! Aos lutadores, a lei

A cereja do bolo é que o reitor não tem punição prevista. Bom, pelo menos não nessa seção de Regimento e “normas de conduta” do estatuto, pois o trecho que dizia quem é responsável por punir o reitor – o CONSU – foi suprimido. Ora ora, que audácia. Enquanto isso, estudantes e funcionários – técnicos administrativos e professores –, a depender da letra fria do novo regimento, estão na berlinda. Punições severas continuam legitimadas pelo estatuto e poderão ser realizadas com uma “facilidade” maior sobre a gente do que sobre o reitor.

“Apesar de você…”

Bom, nem o estatuto da ditadura parou o movimento estudantil. Mesmo durante o próprio regime ditatorial a urgência dos estudantes arrancou o primeiro bandejão, que até hoje esta aí. Em 1989, a mesma bravura arrancou a moradia estudantil e, em 2016, a implementação de cotas, a ampliação de bolsas e a promessa de 600 novas vagas de moradia, que estão ainda no papel – apesar do estatuto e de algumas punições que, mais tarde, vieram. A reitoria se engana se acha que o estatuto vai salvá-la das demandas dos estudantes que, para conseguirem tão somente estudar, têm tido que fazer muita luta.

Nessa reformulação do estatuto, opinamos que os nossos representantes no CONSU de se abster da votação. Ainda que signifique um esforço positivo para remover finalmente a letra sangrenta da ditadura militar, infelizmente essa oportunidade de oficializar a democracia que tentamos construir no cotidiano da universidade está mais para oficializar uma lavação da cara do reitor. Oportunista, a gestão Knobel distorceu toda a discussão acumulada pelos Centros Acadêmicos e Representantes Discentes no Grupo de Trabalho, e quer ficar com o porrete na mão. Democracia se faz todos os dias e, já que não nesse quesito aceitaremos nem um passo atrás, vamos cobrar mais passos à frente.