
Para o jornalista, economista e historiador Eric Toussaint, “se os povos do Norte de África se opuseram aos seus governos absolutistas, porque os europeus não podem se opor aos governos que não respeitam a vontade popular?” Eric Toussaint vê um cansaço rondando os processos eleitorais na Europa, o que se reflete na procura de alternativas, incluindo a extrema direita. “É mais uma demonstração do desespero com a política econômica executada pelos partidos tradicionais europeus, tanto do centro esquerda como do centro direita”.
David Muratore
Em Rosário a convite de diferentes organizações sociais (entras as quais, a seção de Rosário da Central dos Trabalhadores Argentinos – CTA), Eric Toussaint falou sobre a questão da economia mundial e a da América do Sul. E afirmou que “uma rebelião popular em certos países europeus é possível”.
Antecipou ainda o aumento das taxas de juro no [hemisfério] Norte, suscetíveis de causar graves problemas às economias dependentes. Assim, recomendou à América do Sul “fazer uma auditoria da dívida ilegítima, não pagá-la e investir em formas de financiamento internas como o Banco do Sul”.
Economista e historiador, em 1972, o seu primeiro trabalho, durante 10 meses, foi ser jornalista desportivo, onde comentava os jogos de futebol para um jornal belga [1], embora fosse jogador e detestasse todo o negócio em volta desse esporte.
A entrevista foi realizada em 19 de abril de 2011 por David Murator [2] em Rosario (Argentina), a cidade natal de Che Guevara.
A crise econômica e financeira mundial vai durar de 10 a 15 anos nos países industrializados, anunciou ele num debate com a equipe de comunicação da CTA de Rosário e com o jornalista Alvaro Torriglia do diário La Capital. Explicou que a situação é diferente para os países do Sul “que se beneficiam de uma conjuntura favorável graças ao elevado preço das matérias-primas e do fato de a China ser a locomotiva da economia mundial”. Um outro fator – atualmente – favorável para os países do Sul é a baixa taxa de juro nos países do primeiro mundo “que permitem aos países emergentes reembolsar as suas dívidas sem afetar demasiadamente as suas economias, pois pagam uma taxa relativamente baixa, um taxa sustentável”.
Dito isto, ele faz o primeiro aviso: “esta situação favorável resulta de dois fatores que são estranhos à América Latina, à África e a uma grande parte da Ásia. Primeiro fator: as decisões dos bancos centrais do Norte de manter as taxas de juro baixas. Segundo fator: o boom económico chinês”. Contudo, segundo Eric Toussaint, não muda a situação provocada pela crise internacional. “As baixas taxas adotadas nos EUA depois de 2008 e na Europa depois de 2009, permitiram às empresas que estavam perto da ruptura assim como empresas que detinham ativos tóxicos, refinanciarem-se; isto diminuiu o impacto da crise; mas com a injeção massiva de dólares e de euros no setor financeiro havia uma enorme liquidez e, portanto, grande parte dela foi para atividades especulativas ligadas às matérias-primas, alimentos e títulos de dívida pública de países europeus como a Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda.”
“Os bancos centrais logicamente que deveriam aumentar as suas taxas, o que faria diminuir a formação de novas bolhas e, ao mesmo tempo, faria explodir as bolhas existentes, o que conduziria a novas falências. Contudo, uma vez que a taxa de juro aumenta, o custo de reembolso da dívida pública aumenta e isto está em risco de acontecer já que, há alguns dias, o BCE aumentou a sua taxa, passando de 1% a 1,25%. Se a subida das taxas se confirmar e tomar proporções importantes, as economias do Sul vão sofrer um impacto negativo.”
A alternativa do não pagamento da dívida por parte dos países da periferia da Europa.
Eric Toussaint prevê a possibilidade de uma entrada em moratória (défault) de muitos países europeus. Assegura que o exemplo argentino [3] é uma discussão na Europa. “A suspensão do pagamento da dívida pública é uma possibilidade certa de países como a Gécia, Portugal e Irlanda, ou mesmo de Espanha”. Para que isto não seja considerado um exagero, sublinha que “é uma discussão evidente dada a diifculdade da situação e esta questão aparece no diário financeiro de referência que é o Financial Times, e encontra-se igualmente no último número de The Economist.
Face a esta situação, os movimentos sociais como o nosso, o Comitê para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo, defendem a possibilidade de défault. Eric Toussaint propõe a suspensão de pagamentos e a realização de auditorias – “ao contrário daquilo que aconteceu na Argentina” – para detectar a parte ilegítima e forçar os detentores de títulos a aceitar as anulações ou reestruturações acompanhadas de uma redução do stock da dívida.
A continuidade das velhas receita neoliberais
Apesar destas discussões sobre a saída da crise para vários países europeus através do não pagamento, as políticas postas em marcha pelos governos são elas mesmas receitas neoliberais de sempre, explica Eric Toussaint. E dá como exemplo “a realização de privatizações como na Grécia, um pequeno país onde procuram impor as privatizações de mais de 50 milhões de euros, mas onde a mobilização social permanece forte”. Aproxima-se assim da ideia que deu o mote a esta entrevista, “não podemos excluir a possibilidade de uma reviravolta, resultante do aumento dos protestos”, mais ainda. “direi que estamos numa situação de tipo do governo de De la Rúa, Domingo Cavallo na Europa, mas na Argentina aconteceu o que nós sabemos em dezembro de 2001.”
O governo de centro-esquerda de Fernando de la Rua e do seu ministro da economia, Domingo Cavallo (ex-ministro da ditadura argentina), aplicaram fortes medidas neoliberais num contexto em que a Argentina se encontrava em recessão há mais de dois anos. Isto provocou uma fortíssima rebelião social em dezembro de 2001 que levou à queda do governo (o presidente “fugiu” do palácio presidencial de helicóptero) e levou o novo presidente (Rodriguez Saa) a decretar, no fim de dezembro de 2001, a suspensão do pagamento da dívida e a fazer concessões importantes ao movimento social, pois as mobilizações foram muito importantes em 2002-2003.
Eric Toussaint vê este tipo de “reviravolta” como uma possibilidade dentro de certos países como a Irlanda, Portugal ou na Grécia. Contudo, e precisa: “isto pode igualmente durar anos, porque é claro que as esquerdas tradicionais europeias adotaram, quando chegaram ao poder, as receitas neoliberais; o resultado é, portanto, uma crise necessária neste tipo de orientação, a crise dos partidos tradicionais da esquerda europeia para que ocorra uma mudança. Nós vimos isto com os governos socialistas de Portugal e da Grécia. Na Europa, pode e tem de haver uma rebelião popular da mesma dimensão que o levantamento argentino e daqueles contra as ditaduras no Norte de África.”
Sobre a questão de saber se há condições objetivas para estes levantes populares nos países periféricos da Europa (Grécia, Irlanda e Portugal), Toussaint respondeu de maneira afirmativa: “Sim, absolutamente!”. Até agora, os protestos seguiram a via tradicional, “greves gerais sem consequências, exceto na Islândia onde houve uma rebelião nas ruas.” Apesar do fato de a Islândia ser um país de apenas 350 mil habitantes, os protestos contra os responsáveis da crise marcaram a história deste país “e os islandeses rejeitaram em dois referendos o pagamento da dívida externa do país.” [4]
Eric Toussaint continuou a mencionar os levantes no Norte de África que poderão ter repercussões em certos países da Europa, nos mais afetados pela crise. A proximidade com a zona mediterrânea da Europa, em particular, a correspondente à Grécia e à Espanha, e a existência de trabalhadores nesses países que são originários do Estados africanos, apoiam essa possibilidade.
Sem chegar ao ponto de dizer que os trabalhadores serão o sujeito de uma rebelião europeia, explica que numa parte da opinião pública da Europa surgiu a ideia segundo a qual “se os povos do Norte de África se opuseram aos seus governos absolutistas e violentos porque não oporem-se aos governos como os que na Europa não respeitam a vontade popular.” Eric Toussaint vê um cansaço rondando os processos eleitorais na Europa, o que se reflete na procura de alternativas, incluindo a extrema direita. “É mais uma demonstração do desespero com a política econômica executada pelos partidos tradicionais europeus, tanto do centro esquerda como do centro direita”. Evidentemente, onde o eleitorado vira à direita a rebelião parece afastar-se. A Hungria e a Finlândia são um exemplo dessa virada à direita.
Em direcção ao fim do Euro? O Centro e a Periferia européias
“O Euro está em crise dentro de diferentes países e em vários setores da opinião pública propõem a saída desta moeda, em todo o caso, esta é uma discussão em aberto”, afirma Toussaint.
Em seguida propõe uma agenda com os temas mais importantes: o principal é o da dívida e a sua auditoria, a decisão de não continuar a pagar; o segundo tema é a saída ou não do Euro por parte de países como a Grécia, Portugal e a Irlanda. Explica que a União Europeia forneceu um grande crédito no fim dos anos 70 e início dos anos 80, pois estava em causa o afastamento das experiências totalitárias na Espanha, em Portugal e na Grécia. Hoje, este contexto já não existe. Também houve uma transferência de capital da Alemanha, da França e do Benelux para aqueles países, o que já não existe. “Temos antes de manter uma relação Centro/Periferia no seio da União Europeia, um relação desfavorável à periferia.”
“Quem são os detentores dos títulos da dívida grega”, pergunta-se ele antes de responder: “os banqueiros alemães e franceses detêm até 50%, seguidos dos banqueiros belgas, holandeses e britânicos; e é o mesmo para as dívidas da Espanha, de Portugal e da Irlanda”, é por isso que os países mais pobres da Europa efetuam uma transferência de recursos para o centro. Isto gera um sentimento de mal estar naqueles países periféricos. Os meios de comunicação alemães, e mesmo nos europeus em geral, tentam apresentar a Alemanha surgindo como ajuda o que não é o caso, esta “ajuda” alemã vai voltar para o setor financeiro privado alemão.
Os países do Sul e a dívida
O problema na América Latina, por exemplo, é que os governos que não podem calcular como é que a situação vai evoluir, consideram que o pagamento da dívida é sustentável por causa das atuais baixas taxas de juro e, portanto, não tomam nenhuma medida ou, pior, endividam-se rapidamente, afirma Eric Toussaint, mesmo que não seja o caso da Argentina, onde não assistimos a uma nova vaga de endividamento, mas é o caso de países cuja entrada de divisas se deve fundamentalmente ao petróleo. “Trata-se de uma falha no cálculo da situação, que é bastante grave, uma vez que deveria lucrar-se com a situação na qual as reservas são aumentadas para fazer duas coisas: auditar a dívida, identificar a parte ilegítima e suspender o seu pagamento para reduzir de maneira radical o seu stock e acelerar o ritmo de integração regional.”
O Banco do Sul, um objectivo necessário“
Os países da América Latina deveriam colocar em atividade o Banco do Sul, um projeto necessário e viável, colocando aí uma parte das suas reservas e financiando assim os projectos regionais sem pedir fundos ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ao Banco Mundial, ao FMI ou outros mercados financeiros.” Toussaint lança assim um aviso aos governos dos países emergentes: “perdem tempo precioso e a situação pode degradar-se rapidamente por falta de previsões, razão pela qual desejo alertar a opinião pública dos perigos que não são imediatos. Não podemos prever o ritmo de crescimento das taxas de juro no Norte, mas é claro que a tendência atual é o seu aumento e isso vai afectar o Sul.”
Eric Toussaint termina o seu café no balcão do pequeno centro onde realizamos a entrevista; pergunta ao jornalista do La Capital sobre a tiragem do seu jornal, o que lhe permite contar a tentativa de ataque contra os trabalhadores (jornalistas, tipógrafos…) por parte dos patrões da empresa e a resposta imediata dos trabalhadores e depois do povo de Rosario. «E como é que acabou?» perguntou-lhe ainda. O jornalista respondeu que tinham ganho e então Toussaint esboçou um sorriso e disse “muito bem”, mas mais para ele do que para os seus interlocutores.
(*) Publicado no site do CADTM
(**) Tradução de Sofia Gomes para o Esquerda.net
Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17772