Para Julian Assange, Guantánamo é “monstruosidade”



“Os Arquivos de Guantánamo, que o Wikileaks começou a publicar, jogam luz sobre essa monstruosidade da era Bush que a administração Obama decidiu continuar”, afirmou Julian Assange com exclusividade para a Pública nesta segunda-feira (25/04).

A declaração de Assange resume a importância do vazamento mais recente da organização, que começou a ser publicado na noite de domingo (24/04). São milhares de fichas de detidos ou ex-detidos da prisão norte-americana de Guantánamo, em Cuba, e outros documentos relacionados, emitidos pela JFT-GTM (Força-Tarefa de Guantánamo) e enviados na forma de memorandos ao US Southern Command (Comando Sul dos Estados Unidos).

As fichas relatam o estado de saúde dos atuais presos, refazem a teia investigativa que os levou à prisão que, vistos com atenção, revelam que boa parte dos acusados foram incriminados com base em depoimentos de outros presos obtidos sob tortura dentro e fora de Guantánamo – nas prisões secretas da CIA. Os documentos mostram o mercado de recompensas promovido pelos Estados Unidos que levou à detenção de homens e meninos inocentes por acusações formuladas por aliados interessados em prêmios em dinheiro.

Também revelam como são feitos os “pareceres”, que recomendam a permanência ou não dos presos em Guantánamo, não apenas pela força-tarefa mas também pelos responsáveis pela investigação criminal e psicólogos encarregados de avaliar a maneira como devem ser utilizadas as informações obtidas em outros interrogatórios.

“A publicação dessas informações é importante para o público, para os prisioneiros e ex-prisioneiros, e para os juízes que se ocupam desses casos. Muitos estão presos há anos sem acusação formal e com base em testemunhos falsos”, disse Assange.

“Está na hora de reacender o discurso público sobre a prisão de Guantánamo, na esperança que finalmente se possa fazer alguma coisa para trazer justiça para esse estabelecimento”, afirmou o fundador do Wikileaks, que qualificou Guantánamo de “estabelecimento de ‘lavagem’ de pessoas”.

A comparação com a lavagem de dinheiro, em que bancos internacionais escondem recursos suspeitos, é empregada por Assange pelo fato de Guantánamo esconder da sociedade a verdadeira história dessas prisões para justificar a política criminosa do governo e os recursos ilícitos empregados para prendê-los.

Publicação

Na conversa com a Pública, Assange fez questão de destacar que os veículos parceiros nesse lançamento são o Washington Post, dos EUA, o El Pais, da Espanha, o Telegraph, do Reino Unido, a revista Der Spiegel , da Alemanha, o francês Le Monde, o Aftonbladet, da Suécia e o italiano La Repubblica“.

Isso por que, apesar de não estarem entre os parceiros oficiais, os jornais New York Times, dos Estados Unidos, e Guardian, do Reino Unido, publicaram ontem reportagens baseadas nos mesmos documentos secretos, entregues por uma outra fonte, que preferiu permanecer anônima. Segundo aPúblicaapurou, por causa disso, o vazamento foi adiantado porque os dois jornais pretendiam “furar” o Wikileaks.

É o capítulo mais recente da novela que envolve o Wikileaks e esses dois jornais.


No início do ano passado, o Guardian contratou uma jornalista inglesa que obteve os documentos relativos às embaixadas americanas de um colaborador do Wikileaks. Naquele momento, o jornal desistiu de publicá-los antes da organização porque Assange ameaçou processá-lo com base em um contrato assinado pelas duas partes. Depois disso, Julian rompeu com o Guardian, que publicou um livro sobre o Wikileaks considerado tendencioso e desfavorável pelo fundador da organização.


Assange também se irritou com a publicação do processo contra ele movido na Suécia, que traz detalhes sobre as relações que manteve com as mulheres que o acusam de delitos sexuais. “Transparência é para governos e não para pessoas”, disse ele na época.

Também com o New York Times, as relações tem sido conturbadas. Em janeiro, o editor Bill Keller escreveu um artigo em que chamava Julian de “arrogante, cabeça-dura, conspiracional e estranhamento crédulo”, alem de dizer que ele “cheirava mal”. Não foi o primeiro problema: depois da publicação dos documentos das embaixadas americanas, Keller passou a chamar Assange e o Wikileaks de “fonte” em vez de uma organizacao jornalística. A diferenciação tem consequências legais, pois os jornalistas são protegidos pela quarta emenda constitucional norte-americana.

No início de abril, durante um congresso de jornalismo na Universidade de Berkeley, na California, Keller e Assange – este por skype, já que está sob prisão domiciliar, participaram de um debate em que o fundador do Wikileaks acusou o jornal de trabalhar a favor do governo norte-americano. “O papel da imprensa é obrigar as organizações poderosas a prestar contas, e não encobrir seus erros”, disse.


Keller continuou chamando o Wikileaks de “fonte” durante todo o debate. Mas brincou: “A grande vinganca de Julian e que eu terei que passar anos da minha vida participando de debates sobre o Wikileaks”.