O que podemos aprender com o filme As Sufragistas?

Recentemente lançado no Brasil, o filme As Sufragistas já tem levantado muitos debates entre os socialistas. Não é pra menos: além de contar com grandes nomes do cinema mundial (Carey Mulligan, Helena Bonham Carter, Meryl Streep), trata-se de um filme que retrata, com riqueza de detalhes, um dos movimentos políticos de massas de maior significação no século XX, um dos principais momentos da luta das mulheres e, o que é melhor, do ponto de vista de uma trabalhadora de fábrica. É um filme bastante inspirador, principalmente em épocas de crise, em que a classe trabalhadora precisa se organizar cada vez mais para não só alcançar vitórias, como também para não perder direitos.

O filme foca no movimento sufragista não-pacifista liderado por Emmeline Pankhurst, em meados do século XX, no Reino Unido. Pankhurst, ao entender que o movimento pacifista não estava resultando em nada, criou a União Social e Política das Mulheres (Women’s Social and Political Union), cujas participantes eram conhecidas como sufragettes. Para além dos meios tradicionais de propaganda, como comícios e manifestações, a WSPU recorreu a tácticas violentas como a sabotagem, o incêndio de estabelecimentos comerciais e públicos ou a violência contra as casas de políticos e membros do Parlamento.

Quanto mais elas radicalizavam as ações, mais radicais se tornavam as respostas governamentais, com crescente repressão e tentativa de boicote ao movimento por meio de manipulação da imprensa. Elas fizeram greve de fome nas prisões e mais e mais protestos, até que houve mortes e aí já não se podia mais controlar o movimento. Em 1918, uma nova lei eleitoral permitiu às britânicas maiores de 30 anos o direito de voto. Dez anos depois, em 1928, uma nova lei, a “Equal Franchise Act”, afirmava, por fim, que todas as mulheres maiores de idade alcançavam o almejado direito ao sufrágio. O primeiro ensinamento que surge, então, é que somente a luta muda a vida. Se as sufragistas esperassem pela boa vontade da justiça ou do governo, talvez o direito ao voto nunca fosse concedido às mulheres.

O sufragismo surgiu para enquadrar as mulheres de todas as classes sociais, apesar das diferenças de ideologia e de objetivos, mas coincidindo no direito de reclamar participação política, sendo um dos requisitos ao direito ao voto, para reformar a legislação e os costumes e, por consequência, a sociedade. Foi um movimento liderado por mulheres da burguesia, mas que contou com grande participação das mulheres da classe trabalhadora e é aí que mora o segundo ensinamento do filme.

Apesar de focar na luta pelo voto feminino, o filme é muito honesto no sentido de mostrar como era a vida de uma mulher da classe trabalhadora em oposição à vida de uma mulher da burguesia. De um lado, as trabalhadoras eram exploradas com imensas jornadas de trabalho desde muito novas, nenhum acesso à educação de qualidade, pagamento injusto, assédio sexual e moral dentro das fábricas e péssimas condições de trabalho (sem que houvesse legislação que falasse sobre o assunto), além de todo o trabalho doméstico quando voltavam para suas casas e suas famílias. Já as mulheres burguesas, por outro lado, tinham acesso à educação (tiveram contato e se encantaram com os ideais de igualdade, fraternidade, liberdade da Revolução Francesa), podiam contratar empregadas domésticas e sentiam, naquele momento, que sua maior defasagem em relação aos homens, no quesito igualdade de direitos, estava apenas na questão do voto. Entendiam que se pudessem votar, poderiam alcançar outras vitórias.

A união entre essas mulheres de classes diferentes resultou no direito ao voto para todas elas, mas pouco significou em mudanças de fundo para as mulheres da classe trabalhadora. Basta analisarmos nossa situação em pleno século XXI. Em que pesem várias melhorias alcançadas com o passar do tempo, fruto da mobilização da classe trabalhadora, como jornada reduzida, melhores salários, melhores condições e etc, hoje, quase 100 anos depois dessa conquista, nós mulheres trabalhadoras ainda recebemos menos que homens para certas posições, ainda somos vítimas de assédio sexual e moral. Nossa jornada de trabalho é tripla, pois estudamos, trabalhamos e cuidamos dos afazeres domésticos mais do que nossos companheiros (CEPAL), entre outros problemas.

Com o direito ao sufrágio, logo estávamos aptas a concorrer a cargos no parlamento, nos governos em geral. Só que se as mudanças necessárias para libertar todas as mulheres, independente de suas classes, estivessem apenas condicionadas ao voto ou à eleição de uma mulher, nós já seríamos livres. Nós brasileiras, estamos há anos em um governo com a presidenta Dilma, e não se vê melhorias para as mulheres nos campos citados acima. Com a crise, fomos as primeiras a ser demitidas em vários setores, houve cortes sucessivos nas pastas de combate à violência contra a mulher e Eduardo Cunha teve respaldo de Dilma para pré-aprovar o PL da pílula do dia seguinte.

O que fica de lição, então, é que sim, enquanto mulheres, tanto trabalhadoras quanto burguesas terão pautas em comum no combate ao machismo. A opressão que ambas sofrem tem um único ator: o capitalismo, sendo que este pesa mais a sua mão quando ataca a classe trabalhadora. Às mulheres da burguesia, não é interessante derrotar o capitalismo. Dessa forma, as unidades acontecerão para derrotar as opressões em comum, mas quando se avançar para as pautas de opressão das mulheres da classe trabalhadora, as burguesas se retirarão do campo de batalha e ficarão do outro lado, junto com o inimigo. Por isso, nós feministas socialistas temos que ter muito claro que “o gênero nos une, mas a classe nos divide”.

Clara Zetkin diz que “as lutas pela libertação das mulheres proletárias não podem ser comparadas às lutas que as mulheres da burguesia enfrentam contra os homens de sua classe. Ao contrário, elas devem empreender uma luta unitária com os homens de sua classe contra toda a classe capitalista”. Devemos estar lado a lado com os homens da classe trabalhadora, inclusive para derrotar o machismo existente ali, imposto pelo sistema contra o qual lutamos todos juntos. Devemos nos espelhar nas trabalhadoras sufragistas que foram às ruas e reivindicaram seus direitos, sem confiar nos governos ou na justiça. Porém, não podemos também confiar na burguesia. Nosso lugar é nas ruas, lutando contra o capitalismo, que nos impõe opressão de gênero e de classe.

Por Bianca Damacena, militante da CST-PSOL RS

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Clara Zetkin – 16 de Outubro de 1896 Apenas Junto Com as Mulheres Proletárias o Socialismo Será Vitorioso  https://www.marxists.org/portugues/zetkin/1896/10/16.htm

CEPAL – A pobreza e as políticas de gênero no Brasil  http://www.cepal.org/mujer/noticias/noticias/5/27905/umd66.pdf.