Por uma política de legalização e descriminalização das drogas!

Chega de mortes e encarceramento pela falida guerra às drogas! Basta de genocídio a população negra! Em defesa do SUS!  Em defesa da Redução de Danos enquanto guia para o cuidado ao uso prejudicial de drogas! Mais verbas para os CAPS -AD! Abaixo aos retrocessos nas políticas públicas da saúde mental e álcool e outras drogas! Pela luta antimanicomial! Pela revogação da EC 95 que paralisa os investimentos nas instâncias sociais do Brasil!

Mariana Mesquita, Psicologia UFF – Juventude Vamos à Luta

Sem dúvida, a pauta sobre a legalização das drogas ainda gera muito debate na sociedade e até mesmo dentro da esquerda. As questões relacionadas ao uso de drogas causam uma série de questões e confusões na população que não tem acesso a um esclarecimento digno sobre essas substâncias. Ao longo do século XX, intensificou-se na moral social o quão perigosas são as drogas, que leva a destruição de famílias, mortes etc. Toda essa estigmatização que sofrem os usuários e as drogas estão relacionadas a como a mídia e os governos tratam esse tema tão importante, constroem mentiras e tratam de maneira generalizada o uso.  Por isso, grande parte da população ainda é contra a legalização.

A imagem construída do “drogado” foi utilizada como propaganda para legitimar uma guerra que só leva a morte e o abandono do mais vulneráveis. Desde o final da década de 60, com o advento da chamada guerra às drogas diversas políticas mais incisivas pairam no cenário do uso de substâncias psicoativas. Inaugurou-se um endurecimento nas leis do combate às drogas, que na verdade é uma guerra aos pobres. Porém, muito tem sido pesquisado e defendido por movimentos pró legalização, pesquisadores, familiares de usuários e usuários sobre os benefícios e os poderes medicinais que as drogas possuem. Por exemplo, a maconha que possui diversos potenciais na cura e atenuação de sintomas de doenças gravíssimas. Além disso, existem pesquisas no campo da neurociência que evidenciam que os psicodélicos também possuem efeitos curativos e apresentam melhoras para casos de depressão, ansiedade e até mesmo casos de uso abusivo de álcool.

A pauta da legalização e da descriminalização das drogas apresenta-se como um fator central para uma possível transformação social. Aqui no Brasil e em muitos países da América Latina, o combate fracassado dessa guerra leva inúmeras vidas dia após dia sem produzir nenhuma mudança em relação ao consumo de drogas. Pesquisas comprovam que a utilização das drogas remonta a mesma época dos primeiros indícios da civilização humana. Com isso, podemos afirmar que o uso de drogas faz parte da experiência humana. Em diferentes sociedades encontramos a utilização dessas substâncias com diferentes formas de uso: ritual, medicinal, social ou lúdico. Desde os tempos mais remotos da sociedade drogas são consumidas, o que significa que uma sociedade sem elas não passa de um argumento falacioso. No entanto, hoje, sabemos que os elementos relacionados a proibição de “certas” drogas têm sua justificativa dada em termos sociais, econômicos, raciais, entre outros. No Rio de Janeiro, foi proibido em 1830 o hábito de fumar maconha conhecido na época como “pito do pango” que estava relacionado aos povos negros que foram escravizados, essa proibição está associado às práticas repressivas e de controle que o Estado se utiliza para punir os corpos pretos. Mas foi só na década de 30 do século passado, que o Brasil teve uma legislação mais abrangente sobre a maconha enquanto uma planta ilícita.

O que vivemos atualmente no nosso país faz parte de uma política proibicionista que seguiu na linha do que foi impulsionado pelos EUA. Durante o período da ditadura militar, temos a lei antidrogas 6.368/76 que endurece a criminalização. Em 2006, já na democracia e no período do governo Lula (PT), entra em vigor a lei 11343/06, que é a atual lei antidrogas. Uma lei que produziu pouquíssimos avanços e só gerou mais confusão na questão do tratamento pelo Estado sobre a questão das drogas, usuários e tráfico. Aumentou-se a pena do tráfico e ainda não existe critério específico na lei para a diferenciação, o que atribui ao policial o papel de qualificar quem é quem. O que acontece é a seletividade penal da população negra e pobre, enquanto a classe média é qualificada enquanto usuária e não vai para a cadeia, o jovem negro e pobre é preso.

Uma outra questão relevante nesse debate é o desemprego acelerado que estamos vivendo a tempos e que se intensificou durante a pandemia do coronavírus. Sem emprego as classes mais pobres e negras ficam de fora das condições básicas de vida como alimentação nutritiva, saneamento básico, saúde, educação etc. Isso gera um caminho sem saída para parte da população, que acaba recorrendo ao tráfico como medida de sobrevivência. As incursões policiais nas favelas, com o objetivo firmado pela guerra às drogas não produzem nenhuma medida positiva. Já está mais que claro que drogas não é caso de polícia. O que estamos assistindo continua a ser o genocídio de uma população específica e o encarceramento em massa com um argumento mentiroso de uma sociedade sem drogas. Mesmo após o STF ter proibido as operações nas favelas durante a pandemia de coronavírus, mais mortes ainda estão sendo produzidas pelo Estado. Nesse sentido, é preciso batalhar por transformações radicais nas políticas relacionadas às drogas, pela legalização e descriminalização de todas as drogas. É de extrema importância que a esquerda ocupe o lugar desse debate tão relevante socialmente e se una com os movimentos sociais negros e pela legalização das drogas, como a Marcha da Maconha.

Em um relatório publicado pela ONU em 2011, anunciou-se que a chamada guerra das drogas falhou. No caso do Brasil, houve um aumento alarmante do encarceramento dos jovens, negros e das mulheres após a nova lei. Além disso, vivemos uma situação caótica nas prisões brasileiras, estima-se que 30% das prisões são por conta do tráfico de drogas. A situação carcerária das mulheres parece ser ainda pior depois da nova lei já que houve um aumento exponencial do encarceramento passando de 49% para 62% entre 2005 e 2016.

O Estado deve investir nos repasses para a saúde das populações afetadas com o uso abusivo de drogas. Fortalecer o SUS significa batalhar também pelas políticas públicas da saúde mental relacionadas ao cuidado dos usuários de drogas. Porém, desde o governo Dilma estamos vendo uma desistência por parte do Estado que está entregando toda a verba nas mãos dos grandes empresários religiosos que são donos das comunidades terapêuticas, locais onde se propõem nos marcos do proibicionismo “cuidado” aos usuários de drogas. Mas segundo relatório feito pelo CFP em 2017, revelou-se que muitos desses lugares que pregam a abstinência como o único foco promovem violações aos direitos humanos como tortura, encarceramento. E o governo Bolsonaro só aprofunda a situação terrível que hoje é vivida pelos usuários, trabalhadores e familiares da saúde mental. As mudanças no direcionamento e a extinção da política de redução de danos enquanto guia para o cuidado com os usuários produz um enorme retrocesso da Lei da Reforma Psiquiátrica. Antes dessa lei, (10.216/01) o destino dos usuários de drogas era caso de polícia ou internação em hospitais e clínicas psiquiátricas, o que causou diversos transtornos mentais irreparáveis para os sujeitos e suas famílias.  A partir dos anos 70, muitas discussões foram promovidas para que se pautasse uma nova maneira de cuidado aos usuários da saúde mental, todo esse movimento gerou muita luta, o que ficou conhecido com o nome de Luta Antimanicomial que desde a década de 80 batalha para que as demandas dessas pessoas sejam incluídas nas políticas.

No ano passado, os repasses das comunidades terapêuticas praticamente se igualaram com o dinheiro investido nos CAPS Ad, locais onde é feito um cuidado ético e terapêutico com os usuários nos parâmetros da Lei 10216/01. Os CAPS Ad e a Redução de Danos promovem um cuidado ético para tratar a complexa questão das drogas na sociedade. E para isso, é importante ressaltar que a atenção está voltada não somente para a droga, mas sim para o usuário, a droga e o contexto desse uso. O trabalho da Redução de Danos é de extrema importância já que muitas das vezes esse serviço é a porta de entrada do usuário para o SUS e outros serviços, produzindo uma lógica de cuidado onde o usuário tem voz e o tratamento é feito de maneira singular entre o profissional e o usuário.

Recentemente a Anvisa aprovou a regulamentação do uso medicinal da maconha, um importante avanços para as famílias que dependem desses remédios para melhoras nos quadros de convulsões e de dores crônicas. Mas ainda é preciso avançar mais, só a legalização e descriminalização das drogas vai conseguir transformar a fundo a vida de toda a população que vê sua vida tocada de alguma forma pelas as drogas.

Cabe a nós lutar para que ocorram mais investimentos nas áreas sociais e por políticas públicas voltadas para os usuários, familiares e trabalhadores da saúde mental. O fortalecimento dessas práticas abre novas perspectivas para o debate sobre as drogas nas esferas sociais, tirando a estigmatização sofrida pelos usuários.

 

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