Lei de licitação para Copa e Olimpíada é inconstitucional, afirma procurador

Para Gurgel, Regime Diferenciado de Contratação aprovado pelo Legislativo sob o pretexto de acelerar preparativos para megaeventos esportivos vai ‘comprometer patrimônio público’

09 de setembro de 2011 | 22h 40

Rosa Costa, de O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – Patrocinado pelo governo para apressar as obras da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) foi considerado inconstitucional pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e pode ser derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O procurador entrou na sexta-feira, 9, com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIN), com pedido de liminar, alegando que a lei, aprovada pelo Congresso, por ser inconstitucional, não deve ser aplicada no País. Ele alega que se as licitações e contratações forem realizadas pelo RDC “haverá comprometimento ao patrimônio público” e a falta de garantia para que os gestores avaliem o andamento e a conclusão das obras.
A medida, diz o procurador, “além de ofender a Constituição, conspira contra os princípios da impessoalidade, moralidade, probidade e eficiência administrativa”.
O procurador destaca dois aspectos do regime diferenciado contrários às normas constitucionais vigentes. Um deles é que as obras e serviços serão contratados sem que previamente se tenha definido, de forma clara, o seu objetivo. A brecha – segundo ele – compromete o princípio de isonomia dos concorrentes. O outro item questionável, na sua avaliação, é a permissão de concentrar num único contratante o projeto básico e a execução da obra ou serviço, “o que poderia levar o autor do projeto a excluir ou dificultar o livre acesso de potenciais interessados”.
Ele cita como exemplo de episódio em que a necessidade e urgência das obras resultou em danos para o erário “a experiência” dos Jogos Pan-americanos de 2007, “quando a União, Estados e o município do Rio de Janeiro não conseguiram identificar as obras e serviços que deveriam ser realizadas”. “Essa foi uma das razões para que o orçamento inicial do evento, de R$ 300 milhões, tenha sido absurdamente ultrapassado, com um gasto final da ordem de R$ 3 bilhões.”
O RDC foi incluído pelo relator José Guimarães (PT-CE) no projeto de conversão da medida provisória 527, editada pela presidente Dilma Rousseff. O texto foi mantido no Senado e, depois de sancionado, entrou em vigor em 5 de agosto último na forma da Lei 12.464, que substituiu parte da lei de licitações em vigor.

Desde então, o procurador-geral da República anunciava a decisão de entrar com uma ADIN contra a proposta, como defendiam os parlamentares da oposição. O senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) viu no novo modelo “uma indústria de vazamento altamente remunerado, além da facilitação dos conluios”. Os líderes do PSDB e do DEM, senadores Alvaro Dias (PR) e Demóstenes Torres (GO), respectivamente, anunciaram quando da aprovação no Senado, em 6 de julho, que não entrariam com uma ação no STF porque tinham a garantia que a medida seria tomada pelo procurador-geral da República.
Na ação, Gurgel afirma que a lei impugnada, embora preveja a adoção de medidas mitigadoras ou compensatórias no caso de obras ou atividades causadoras de danos ambientais ou culturais, “não pode ser interpretada no sentido de dispensa das exigências que regulam o licenciamento ambiental”. Ele reitera que a lei, “quanto aos dispositivos impugnados, é fruto de emenda parlamentar que introduz elementos substancialmente novos e sem qualquer pertinência temática com aqueles tratados na medida provisória apresentada pela presidente da República e que, portanto, sua “inconstitucionalidade formal deve ser reconhecida”.