100 anos da oposição de esquerda do Partido Bolchevique

Laís Sathler

 

Ontem se completaram 83 anos do assassinato de Trotsky. Achamos importante recuperar uma de suas principais batalhas, junto com os velhos bolcheviques, enfrentando a burocratização dos organismos do Partido Bolchevique e da própria URSS, levada à frente pela Troika de Stalin, Kamenev e Zinoviev, criticando também a política econômica proposta pela então direção do partido. 

A tomada do poder pela classe trabalhadora russa, liderada pelo Partido Bolchevique de Lenin e Trotsky, foi seguida por um período de dificuldades. Uma guerra civil contra exércitos da burguesia, que já durava 5 anos, exigiu medidas extraordinárias dentro do partido e do governo. Em 1921, foi adotada a Nova Política Econômica (NEP), um recuo para tentar resolver a crise econômica profunda, causada pela guerra. Em 1923, no entanto, a NEP havia se esgotado e a situação se agravava: os preços dos produtos aumentavam e os trabalhadores das fábricas faziam greves.

Por conta dos erros da política stalinista na influência de processos revolucionários, a URSS estava isolada no  cenário internacional. Era esse o contexto às vésperas do XII Congresso do Partido Bolchevique, em que emerge a batalha que daria origem à Oposição de Esquerda.

Lênin já havia iniciado essa batalha. O último período de sua vida política, entre 1922 e 1923, foi dedicado a combater a burocratização do partido, inclusive recomendando o afastamento de Stalin do cargo de Secretário-geral do partido. No início de 1923, porém, Lenin, que já vinha com a saúde debilitada, sofreu um novo derrame. Esse fato o impediu de prosseguir o enfrentamento à questão burocrática no XII Congresso do Partido Bolchevique, ficando essa tarefa a cargo de outros antigos dirigentes.

Trotsky foi um dos principais continuadores da política desenvolvida por Lenin, contra questões da economia e da burocracia, levando esse debate ao XII Congresso. Do ponto de vista econômico, Trotsky apontava a necessidade de rever a NEP e avançar o desenvolvimento industrial, e do fim do financiamento dos Kulaks, para que os preços baixassem. 

Do ponto de vista do partido, propunha uma “correção da direção geral do partido”, afirmando que o método de seleção do secretariado estava afastando o funcionamento partidário da democracia operária. Trotsky dizia isso porque cada militante que passava a fazer parte do aparato governamental deixava de expressar suas opiniões dentro da organização, como se a hierarquia da burocracia fosse a encarregada de “fabricar” a opinião do partido.

Ainda no ano de 1923, 46 dirigentes do Partido Bolchevique elaboraram um documento direcionado ao Comitê Central que ia no mesmo sentido, afirmando que “a continuidade da política adotada pela maioria do Politburo ameaçava levar o partido a lamentáveis reveses”.

O “Manifesto dos 46”, como ficou conhecido o documento, seguia denunciando a ausência cada vez maior de democracia interna no Partido, levando a uma separação entre a base e a direção. Segundo o documento, “como consequência de uma liderança distorcida […], o partido deixa de ser em grande parte essa coletividade independente, viva e sensível à realidade porque é ligada a ela por mil fios. Em seu lugar, observamos a divisão crescente, agora apenas dissimulada, entre uma hierarquia secretarial e as ‘pessoas comuns’”.

Ao contrário do que esperavam os 46 dirigentes bolcheviques, o seu texto não foi publicizado ao restante do Partido. Ao contrário, os militantes responsáveis pelo documento foram ameaçados de sanções pelo Comitê Central, com a alegação de que estariam formando uma fração.

A coincidência das críticas de Trotsky e de outros importantes dirigentes bolcheviques fez com que formassem a Oposição de Esquerda. É importante ressaltar que o enfrentamento que faziam a Stalin e à Troika resgatava críticas de Lenin. Da mesma forma, a atuação policial da direção stalinista, silenciando as críticas e evitando o seu conhecimento por parte da base do partido, foi direcionada contra dirigentes bolcheviques, militantes revolucionários que lutavam por uma correção de curso na política do partido. Completados seus 100 anos, escrevemos no sentido de resgatar esse legado.

 

Referências:

Lenin. Relatório sobre o programa do partido, 19/03/1919. VIII Congresso do PCR(b). https://www.marxists.org/portugues/lenin/1919/03/23.htm

Lenin. Carta ao Congresso (Testamento político de Lenin), 22/12/1922-04/01/1923. https://www.marxists.org/portugues/lenin/1923/01/04.htm

 “O Partido Bolchevique”, de Pierre Broué. https://www.marxists.org/espanol/broue/1962/partido_bolchevique.htm#ftnref222

“Manifesto dos 46”. https://www.marxists.org/portugues/preobrazhensky/1923/10/15.pdf